A jornada do mais improvável exército medieval começou com um peru onde não deveria estar. Enquanto Brancaleone de Norcia - o cavaleiro falido com sua armadura enferrujada e cabeleira em forma de cebola - liderava seus homens rumo a Aurocastro, um anacronismo deliberado cruzava a tela: um peru, animal que só chegaria à Europa após Colombo. Esta foi a primeira declaração de princípios de Mario Monicelli - não faria um épico histórico, mas uma sátira onde a grandiosidade cavalheiresca naufragava na miséria cômica da realidade.
Nos bastidores de "O Incrível Exército de Brancaleone" (1966), criava-se a alma sonora dessa horda. Monicelli e os roteiristas Age-Scarpelli forjaram um dialeto fictício, mescla de latim corrupto com italiano arcaico. Enquanto no filme o judeu Abacuc negociava e o grupo enfrentava a peste com humor macabro, nos estúdios surgia o desafio: como traduzir esse idioma inventado? A crítica da Variety, em Cannes, alertava: "O humor desafia as legendas". O êxito internacional dependia de capturar o espírito daquela fala única.
A filmagem no outono de 1965 era um espelho das desventuras na tela. Vittorio Gassman mergulhou no cavaleiro inepto, enquanto Catherine Spaak - cuja personagem Matelda tinha apenas 20 minutos de tela - enfrentava provocações machistas no set. Sua jornada de donzela que culpa Brancaleone pela perda da virgindade era ofuscada pelo ambiente conturbado. Até Barbara Steele aparecia em cena mais ousada, num jogo de tensões que transcendia a ficção.
Os figurinos, entre "samurai japonês e maltrapilho italiano", materializavam o tom satírico. Enquanto o exército enfrentava sarracenos e suas próprias incompetências, as roupas grotescas acentuavam o contraste entre a pretensão nobiliárquica e a realidade nua. A sequência de luta inicial, considerada chocantemente sangrenta para uma comédia, reforçava essa visão desencantada do medieval.
O sucesso transformou o caos de "O Incrível Exército de Brancaleone" em legado. Cartazes eram roubados das ruas de Roma, a bilheteria atingia 2,15 milhões de dólares e uma sequência nascia. Monicelli provara que a verdadeira comédia medieval não estava nos castelos brilhantes, mas na estrada poeirenta, entre perus anacrônicos e homens demasiado humanos, vestindo armaduras de sonhos e trapos.
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