terça-feira, 25 de agosto de 2020

Lovecraft Country e ainda bem que o autor Lovecraft está "se revirando no túmulo"

É sobre heróis que partem para uma aventura, derrotam os monstros e salvam o dia.
-Atticus
Estados Unidos nos anos 50. Um jovem afro-americano embarca em uma viagem pelo país em busca de seu pai. Assim começa uma luta frenética por sobrevivência contra os horrores do racismo e monstros que, facilmente, poderiam ter saído direto das páginas das histórias de H.P. Lovecraft. Lovecraft Country é a nova série original da HBO, produzida por Misha Green, Jordan Peele e J.J. Abrams. Curta cada episódio na HBO e HBO GO. 

Tem algo aqui. Tentando sair.
-Letitia
Quando assisti o primeiro episódio, eu me encantei por essa série. E não foi só pelo teor sinistro que só começa bem mais a frente, mas em toda a elaboração até chegar nisso. 
Nos anos 50 esse jovem afro-americano (Atticus, que é chamado de Tic) volta de um longo tempo no exército, que participou por conta de tentar fugir de seu pai, exatamente por conta de seu genitor. Aliás, ele participou da guerra na Coréia... Ele teria recebido uma carta dele que fala sobre um legado que o jovem tinha baseado no sangue de sua mãe. Uma herança secreta... Ou sagrada, com vários elementos das tramas de Lovecraft. Mas o pai de Tic desaparece. Sua única pista é que ele teria ido atrás de mais informações em Lovecraft Country.
Alguma coisa sinistra acontece em Massachussets, em Arkham... Ou melhor, Ardham.
O engraçado, é que Tic é um fã da cultura pulp. Ele seria o estereótipo de nerd, se não tivesse sido soldado. Na verdade, nós vemos referências a John Carter, O Conde de Monte Cristo, entre outros livros.
Ele reencontra uma velha amiga Leti Lewis (ou Letitia), que iria com ele e seu tio (George Freeman) até certa parte do caminho. Enquanto eles viajam até seu caminho, podemos notar o quão intolerante é esse caminho.
Mas além disso, existe algo sinistro nesse universo... Que não é o racismo, e nem é desse universo... E até os protagonistas tem seus segredos...

"Ouça-as. Crianças da noite. Que doce música elas fazem".
-Tio George
Você consegue notar claramente como era a ideia de segregação racial naquele período através de detalhes colocados pontualmente. O que já lhe deixa aflito pelos personagens, que você começa a amar, se importar com eles. E cada qual com seus problemas e dificuldades a serem superados. Mas o pior é que o elemento sobrenatural está ligado em parte com o racismo aqui. Mas vamos chegar nisso aqui.
Primeiro, como dito, o racismo é mostrado aqui de forma verdadeira. Com Jordan Peele, eu imaginava que alcançariam uma imagem mais realística do período. O ônibus onde os negros tinham que sentar em separado dos brancos, lugares seguros onde eles poderiam ficar sem ser atacados pela polícia, trabalhos humilhantes aos quais eram forçados a fazer e brancos fazendo piadas os assimilando a "macacos", são características dos EUA antes dos anos 60. Pois ainda era permitidas atitudes racistas, perante a lei! Isso era desumano. Então serão os monstros antigos os demônios, ou nossas noções deturpadas de certo e errado. Notem que essa série estreou tempos depois do caso de assassinato de George Floyd. Ou seja, a intolerância nos Estados Unidos tinha que ser retratada. Lovecraft Country o faz perfeitamente.
A verdade é que a série se baseia em Território Lovecraft, livro de Matt Ruff. O que é uma grata surpresa, pois se fosse algo feito por HP Lovecraft teria um teor racista que não podemos mais suportar. Usava sua intolerância para inflamar as histórias que escrevia, entretanto, a série usa isso para mostrar algo bizarro nas sombras. Inspirando novos autores, que não seguiriam esse exemplo de preconceito, como Stephen King e Anne Rice. Ou seja, como pessoa, o escritor era um bosta, diferente dos escritores que ele inspirou.
Os grandes vilões da série não são os monstros, mas sim os intolerantes, os xenofóbicos, os misóginos, os antissemitas, os preconceituosos de todos os tipos. Na verdade, nós dá a impressão que os monstros verdadeiros são os humanos que possuem esses preconceitos. Há uma ameaça cósmica, mas ela se camufla na segregação racial do período. Tanto que existiam nesse períodos leis estaduais e locais, que separava localidades para brancos e negros. Um absurdo, mas que não fica longe do que vemos hoje em dia. E essas leis foram mantidas até 1965, mesmo com a liberdade dos escravos muitos anos antes.
Matt Ruff se aproveitou disso, mas subverteu o típico protagonista que Lovecraft usava, para um personagem principal negro, nesse período histórico. E isso nós cria uma aura de mistério, suspense e nem sempre isso tem a ver com os monstros cósmicos.
Você não precisa ler os livros de HP Lovecraft, mas entender esse debate que Matt Ruff faz sobre a segregação racial é mais importante.
Cada episódio conta uma história diferente praticamente. Focando em um personagem principal, pois na verdade, a história seria uma série de contos com personagens próprios. Mas no final, Ruff decidiu unir eles por uma trama principal quando não conseguiu transformar a história em uma série pela Fox.
E a obra literária é boa, mas mesmo que Matt Ruff seja um escritor branco consciente, foi importante demais a representatividade feita pelas produções de Jordan Peele e Misha Green. O autor pode ter visto o racismo, mas jamais sentiu como ele age entre os negros, se é que me entendem.
Lovecraft Country é uma série que faz uma releitura dos Mitos de Cthulhu.

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