segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Uma visão mais clara de como HQs deveriam ser vistas (pelo povo e poder público)

Recentemente, minha cidade foi contemplada como Capital Nacional dos Quadrinhos. Esse projeto foi feito pelo deputado federal Roberto Alves. E no texto referente a isso diz que "A partir de 2013, a Prefeitura Municipal de Santa Isabel vem fomentando ações culturais caracterizando as histórias em quadrinhos como profícuo instrumento para difusão cultural e empreendido ações que garantam a preservação da memória e difusão da ampla obra de Mauricio de Sousa, filho ilustre da cidade."
Ele fez esse projeto por motivos financeiros, antes de tudo.
Não vou me focar na questão pessoal aqui. E sim na parte importante.
Sou morador de Santa Isabel a pelo menos... Toda a minha vida. E só em 2018, no começo do ano ocorreu uma exposição baseada em histórias em quadrinhos na cidade. Talvez até mesmo tenha sido a primeira que falava de Maurício de Sousa visto que a cidade se diz "Capital Nacional dos Quadrinhos". Antes de tudo, não me refiro a exposições de desenhistas ou ilustradores, ao qual fizeram, mas sim sobre HQs mesmo. Como aconteceu quando aconteceu a mostra de Miriam Cristina, dos alunos do Centro Cultural, entre outros. Pois no caso desses evento, nem todas as obras são baseadas em comix.
Praticamente, a cidade só quis criar projetos referentes as histórias em quadrinhos agora que ela foi contemplada com esse título!
Isso me fez pegar um texto do site Terra Zero, que trata sobre histórias em quadrinhos:
O Terra Zero é uma fonte muito boa de informações sobre esse assunto
"A hipocrisia do leitor que não compreende o material que está nas suas mãos normalmente caminha de mãos dadas com o ato de ler quadrinhos. Porque a leitura permite, sim, como qualquer outra observação de obras de arte, diferentes reações e sentimentos. Mas um quadrinho de vertente política normalmente passa uma mensagem clara. Se esta mensagem se perder na mente do receptor, ele não entendeu aquela obra. E esse entendimento incorreto ficará enraizado em sua mente para sempre.
Então, é culpa do leitor não saber ler um quadrinho? Também não. Ou pelo menos não totalmente. Quando existe uma falha no sistema educacional (como existe por aqui e em outros pontos do continente americano, inclusive nos Estados Unidos, donos de uma educação pública falida), os leitores podem não estar suficientemente preparados para absorver a plenitude da mensagem de uma obra. Qualquer obra, de qualquer mídia. Isso retroalimenta a falência do sistema. Se um leitor não estiver preparado para entender uma mensagem de uma HQ, que muitas vezes é extremamente clara, como ele pode decidir o futuro de um país nas urnas?"
Em vista disso, muito do que vou escrever faz sentido: as pessoas não leem tanto quanto antes em relação as histórias em quadrinhos, mas isso está parcialmente ligado ao desinteresse do poder público nesse tipo de arte. Há também uma ideologia que quadrinhos são uma prática mais infantil ou sem utilidade. Nada está mais longe da verdade.
Aqui escreverei alguns tipos de perspectivas relacionadas aos quadrinhos, que hoje em dia as pessoas não fazem por falta de tempo, conhecimento ou simples preconceito. Para talvez comover as pessoas e (quem sabe com mais dificuldade) o pode público.
Perspectiva sociológica: Usando como exemplo as HQs do grupo de mutantes da Marvel, X-Men, poucos sabem de certos pontos das obras. Criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, os personagens são pessoas comuns que nasceram com uma alteração em seu DNA, o Gene X. São tratados por mutantes. Nas revistas, era possível ver uma crítica aos comportamentos preconceituosos americanos e do mundo. E isso fica mais claro quando associamos duas personagens das HQs ao  cenário histórico dos Estados Unidos: Martin Luther King e Malcolm X.
Ambas essas figuras lutaram pelos direitos humanos e dos negros. E eram amigos, apesar de Malcolm ser contra alguns ideais pacifistas de Martin. Assim como os líderes mutantes, Charles Xavier (conhecido como Professor X) e Erik Magnus Lensherr (conhecido como Magneto). Malcolm X era extremamente contra alguns ideais pacifistas de seu amigo, devido a realidade cruel em que nasceram e cresceram. Esses dois personagens históricos são figuras importantes e tratam, de uma certa forma de um medo social dos humanos: tememos o que não entendemos.
Muitas vezes, dentro das cidades atuais, pessoas são tratadas de forma diferente (quando não degradante) quanto não são iguais ao resto da sociedade vigente. Exemplo disso como muitas vezes vemos esse tipo de preconceito com negros, mulheres, gays, judeus, indígenas, imigrantes, sem teto, entre tantos outros. Sendo que não existe motivo para isso!

Perspectiva psicológica: Muitas vezes dentro de uma HQ, o roteiro se foca a compreender o psicológico dos personagens. Um exemplo claro esta em Batman - A Piada Mortal. Muitos dos fãs das histórias de Batman, vigilante da DC, sempre pensam que o Coringa (principal inimigo do Homem Morcego) seja um psicopata. Mas nessa obra, escrita por Alan Moore (conhecido por escrever V de Vingança e Watchmen), nós podemos notar que na origem criado pelo inglês ele é um sociopata.
Nele vemos um Coringa relembrando sua vida antes de ter sua face distorcida. Era um rapaz com mulher grávida e tentava ganhar sua vida como comediante, fracassando terrivelmente. Contudo, para conseguir grana ele entra para o crime. Antes, ele sabe que sua esposa e o filho morreram. O que já deixa seu dia pior. Quando confrontado por Batman, ele caí em um tonel de produtos químicos. Fazendo o enlouquecer. E uma das frases que ele usa, dita a trama nas páginas dessa obra: pode um dia ruim transformar a vida de uma pessoa?
Muitas pessoas estereotipam personagens "malignos" como psicopatas, ao nível de os denominar assassinos seriais. Acontece que na psicologia não é bem assim. E acima de tudo, a loucura não é um mal, por assim disser. É uma condição que certas pessoas obtêm com o decorrer do tempo ou que nascem com ela. O que no caso de A Piada Mortal faz mais sentido a primeira. Tentando mostrar, que nem sempre as pessoas nascem perigosas, mas são transformadas pelo seu meio. 
Perspectiva artística: Poucos fora do universo dos fãs de HQs sabe quem é Will Eisner. Muitos só o creditam como o criador do personagem Spirit. Logicamente ele fez muito mais que isso. Entre suas obras estão Um Contrato com DeusNova York: A Vida na Grande Cidade, Pequenos Milagres, Ao Coração da Tempestade, entre tantas outras obras. Algumas, que ainda não chegaram ao Brasil. Ele praticamente é o criador do termo graphic novel (novela gráfica), que muitos apreciadores da nona arte usam hoje em dia. Na verdade, sem seu trabalho, não teríamos as HQ modernas e esse post poderia muito bem não existir. 
Quando ele passou a escrever mais histórias voltadas para o público adulto, já tinha dominado a arte em um ponto único. Assim como em um filme, Eisner sabia como narrar suas histórias de forma única. Muitas vezes sem precisar usar um único balão de conversa ou pensamento. Só o uso de imagens, um dos recurso mais necessários em uma história em quadrinhos. Pois queira ou não, é um dos principais focos de um fã desse tipo de trabalho. Will não só coloca seu trabalho no papel, mas mostra como isso pode ser feito de uma forma clara e concisa.
Isso fica mais claro quando notamos que ele realmente era um homem preocupado com essa estética em seus trabalhos. Como podemos ver no livro Quadrinhos e Arte Sequencial de sua autoria. A presente obra baseia-se no curso que o autor ministrou por muitos anos na School of Visual Art de Nova Iorque e contém o acervo de suas idéias, teorias e aconselhamentos sobre a prática daquilo que ele conhece tão bem - contar histórias em quadrinhos.
Perspectiva financeira: Muitas vezes, como escrevi na parte relacionada a sociologia de forma indireta, a ficção muitas vezes copia a realidade. As condições de um povo, de uma nação, etnia, ou até de um gênero sexual ou grupo religioso, são retratados através de uma história em quadrinhos. Incluindo as econômica e financeira. Desde pessoas ricas (como Batman e Homem de Ferro), até pobres (como Super Choque e Homem-Aranha). Nos foquemos em Peter Parker.
Ele é um rapaz inteligente, talentoso e muito bom em química. O que lhe faz ser muitas vezes ser tratado como um saco de pancada dos jovens que cometem bullying na sua escola e suas proximidades. Mas o que importa é que isso não paga contas. Mesmo ganhando seus poderes, isso não paga as contas do lar. Sem contar que seu tio Benjamin, foi morto. A principal fonte de renda da família. O que faz cada um dos dois membros desse lar se desdobrar para ajudar nas despesas. Peter tira fotos como freelance para o jornal sensacionalista Clárim Diário, enquanto sua tia May usa a pensão de seu finado marido, o que não era muito naquela época. 
Podemos fazer um paralelo do personagem com as condições financeiras em 1962, quando ele surgiu. Mesmo que os States estivessem melhor com sua relação econômica, do outro lado do mundo ainda existia o perigo da União Soviética com ogivas nucleares capazes de devastar cidades inteiras em, literalmente, instantes. Isso ainda atravancava negociações com países, em especial aqueles que tivessem contato com países socialistas. Forçando muitos jovens trabalhar em mais de um emprego e procurar bicos. 
Perspectiva histórica: Poderia ter usado o exemplo de Peter Parker, o Homem-Aranha, mas preferi usar outra abordagem. Pois nas HQs podemos brincar e muito com a ideia de "E se...?": e se a Inglaterra fosse uma ditadura? E se os heróis e vilões do mundo tivessem surgido devido a uma conspiração norte-americana? E se os Estados Unidos tivessem vencido a Guerra Fria de um modo impactante e direto? É nesse ponto que entra outra obra de Alan Moore, Watchmen.
Na realidade histórica alternativa apresentada na obra, Richard Nixon teria conduzido os EUA à vitória na Guerra do Vietnã e em decorrência deste fato, teria permanecido no poder por um longo período. Esta vitória, além de muitas outras diferenças entre o mundo verdadeiro e o retratado nos quadrinhos, como por exemplo os carros elétricos serem a realidade da indústria dos automóveis e o petróleo não ser mais a maior fonte de energia, derivaria da existência naquele cenário de um personagem conhecido como Dr. Manhattan, um indivíduo dotado de poderes especiais, os quais o levam a possuir vasto controle sobre a matéria e a energia, elevando-o a um estado de semi-deus.
Isso sem contar que grupos de heróis começaram a surgir pelos Estados Unidos da América.
A Lei Keene exigia que todos os "aventureiros fantasiados" se registrassem no governo. A maioria dos vigilantes resolveu se aposentar, alguns revelando suas identidades secretas para faturar com a atenção da mídia; caso de Adrian Veidt, o Ozymandias. Outros, como o Comediante e o Dr. Manhattan, continuaram a trabalhar sob a supervisão e o controle do governo. O vigilante conhecido como Rorschach, entretanto, passou a operar como um herói renegado e fora-da-lei, sendo freqüentemente perseguido pela polícia.
Não fica tão distante da realidade, não é?
Perspectiva filosófica: Até mesmo o uso de conceitos filosóficos podem aparecer em uma obra de HQs. Existem conceitos que muitas vezes podem ser vistos de forma diferente e de pontos de vista diferente. Exemplo que se mostra assim aparece em Sandman, escrito por Neil Gaiman. O personagem originalmente surgiu na Era de Ouro dos Quadrinhos, como um vigilante ao estilo de Batman ou Arqueiro Verde. Contudo, Gaiman o tornou o próprio sonho. A força que rege o subconsciente de todas as formas de vida conscientes. Essas histórias foram publicadas no selo Vertigo, da DC Comics, para uma leitura mais adulta.
Sandman nessa história seria um dos membros de uma família bem peculiar e diferente: os Perpétuos ou Sem-Fim. Seres superiores aos deuses. São compostos por Morte, Desejo, Delírio, Destino, Desespero, Destruição e Sonho (Sandman). No caso desse último, muitas pessoas veem Sonho como algo ótimo, mas não é bem por ai. Gaiman nos concede uma nova perspectiva, na qual quando despertamos para a realidade o sonho acaba. E que os outros aspectos citados como irmãos de Morfeu (um dos vários nomes do Sonho), na verdade são necessários em toda a vida. Incluindo Morte, Desespero e Desejo. 
Agora que vimos isso, eu sinceramente espero que as pessoas leiam esse texto e compreendam que histórias em quadrinhos são bem mais. Mais conteúdo e criatividade do que muitos podem imaginar. E os nossos poderes públicos (incluindo o de Santa Isabel) comecem a notar a importância da nona arte.
Como referência para esse texto eu li postagens do site Terra Zero e o livro Pesquisa Acadêmica em Histórias em Quadrinhos, além de conhecimento próprio sobre HQs.

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